terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A moça do cupido vermelho

            Saí atrasado para o trabalho. Tem dia que fazemos tudo igual e nos mínimos detalhes, mas mesmo assim, algo dá errado e a gente sai de casa atrasado.
            Pior ainda: saí de casa sem livro. Nenhum livro! Sair de casa atrasado ainda vai. Mas sem um livro sequer é muito complicado para mim.
            Enfrento a loucura no metrô numa boa, desde que esteja acompanhado de um livro. De mãos e cabeça vazias, sou muito impaciente.
            No metrô lotado, estava inquieto e inconformado com tudo: calor, excesso de gente, odores desagradáveis, pessoas feias, empurra-empurra e muita reclamação.
            Tudo me incomodava bastante naquela manhã complicada e sem a companhia imprescindível de um livro amigo.
            Para piorar meu começo de dia, bem na minha frente, havia uma moça lendo um livro na maior concentração e deleite. E eu ali sozinho, triste, indignado e sem nada nas mãos. Nada que me tirasse daquela realidade mesquinha.
            Tentei descobrir o que aquela moça com vestido florido lia com tanta atenção. Mas não conseguia ver a capa do livro, por mais que me esforçasse. Só conseguia ver seus cabelos ruivos, bem cuidados e curtos. Nas suas costas peladas, havia uma pequena, provocadora e bela tatuagem de um cupido vermelho.
            A moça estava tão concentrada na leitura que mal consegui ver seu rosto colado às páginas brancas do livro. Não tive como ver se era bonito. Os cabelos sobre a testa não deixavam. Mas os ombros pelados, o pescoço delicado e os cabelos ruivos eram de uma beleza singular.
            Na tentativa desesperada de ver a capa do livro, consegui ler uma frase solta: “Entre parnasianos e extraterrestres”. Outra esticada de pescoço e mais uma frase solta: “Há empresários que nos jornais dizem cobras e lagartos”. Nada que sinalizasse um livro de poesia. Mesmo assim, a moça parecia encantada na sua leitura.
            Não conseguia ver a capa do livro. E minha curiosidade foi só aumentando. Com o passar da viagem nem só a capa do livro me interessava. Confesso que buscava, mais do que o livro, ver o rosto da moça do cupido nas costas.
            Nesta brincadeira de esconde-esconde fui me esquecendo dos problemas iniciais da viagem. Digo até que cheguei a pensar que o metrô estava indo rápido demais. Mais rápido do que precisava. Mais rápido do que queria. Tão rápido que a estação final chegou muito cedo para a moça do cupido vermelho.
            Antes de descer e sumir na multidão, fui surpreendido com um olhar e um sorriso tão belos quanto uma singela batida de asas de um beija-flor azul. E numa fração de segundo de uma batida de asas de um beija-flor, a moça virou-se e fiquei somente com o brilho do cupido vermelho que foi sumindo na multidão cinza da estação.
            Passei o dia fora de minha realidade, embevecido pela mais pura fantasia. Buscando em outros ombros nus a tão poética visão de certo cupido vermelho.
 

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