Saí
atrasado para o trabalho. Tem dia que fazemos tudo igual e nos mínimos detalhes,
mas mesmo assim, algo dá errado e a gente sai de casa atrasado.
Pior
ainda: saí de casa sem livro. Nenhum livro! Sair de casa atrasado ainda vai.
Mas sem um livro sequer é muito complicado para mim.
Enfrento
a loucura no metrô numa boa, desde que esteja acompanhado de um livro. De mãos e
cabeça vazias, sou muito impaciente.
No
metrô lotado, estava inquieto e inconformado com tudo: calor, excesso de gente,
odores desagradáveis, pessoas feias, empurra-empurra e muita reclamação.
Tudo
me incomodava bastante naquela manhã complicada e sem a companhia
imprescindível de um livro amigo.
Para
piorar meu começo de dia, bem na minha frente, havia uma moça lendo um livro na
maior concentração e deleite. E eu ali sozinho, triste, indignado e sem nada
nas mãos. Nada que me tirasse daquela realidade mesquinha.
Tentei
descobrir o que aquela moça com vestido florido lia com tanta atenção. Mas não
conseguia ver a capa do livro, por mais que me esforçasse. Só conseguia ver seus
cabelos ruivos, bem cuidados e curtos. Nas suas costas peladas, havia uma
pequena, provocadora e bela tatuagem de um cupido vermelho.
A
moça estava tão concentrada na leitura que mal consegui ver seu rosto colado às
páginas brancas do livro. Não tive como ver se era bonito. Os cabelos sobre a
testa não deixavam. Mas os ombros pelados, o pescoço delicado e os cabelos
ruivos eram de uma beleza singular.
Na
tentativa desesperada de ver a capa do livro, consegui ler uma frase solta: “Entre parnasianos e extraterrestres”.
Outra esticada de pescoço e mais uma frase solta: “Há empresários que nos jornais dizem cobras e lagartos”. Nada que
sinalizasse um livro de poesia. Mesmo assim, a moça parecia encantada na sua
leitura.
Não conseguia ver a capa do livro. E
minha curiosidade foi só aumentando. Com o passar da viagem nem só a capa do
livro me interessava. Confesso que buscava, mais do que o livro, ver o rosto da
moça do cupido nas costas.
Nesta
brincadeira de esconde-esconde fui me esquecendo dos problemas iniciais da
viagem. Digo até que cheguei a pensar que o metrô estava indo rápido demais.
Mais rápido do que precisava. Mais rápido do que queria. Tão rápido que a
estação final chegou muito cedo para a moça do cupido vermelho.
Antes
de descer e sumir na multidão, fui surpreendido com um olhar e um sorriso tão
belos quanto uma singela batida de asas de um beija-flor azul. E numa fração de
segundo de uma batida de asas de um beija-flor, a moça virou-se e fiquei
somente com o brilho do cupido vermelho que foi sumindo na multidão cinza da
estação.
Passei
o dia fora de minha realidade, embevecido pela mais pura fantasia. Buscando em
outros ombros nus a tão poética visão de certo cupido vermelho.
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