quinta-feira, 25 de junho de 2020

Deodoro, uma mistura de amor e ódio





Sou apaixonado pelos livros. Não consigo sair de casa sem ter um livro nas mãos. Mas nem sempre foi assim. Não vou dizer aqui, como muitos escritores, que na minha infância a casa era repleta de livros. Seria uma mentira. Sou de família pobre e, na minha infância, quase não tive a feliz companhia de livros, a não ser nas bibliotecas. Mas certa vez, meus pais compraram para mim uma assinatura da revista Nosso Amiguinho e, junto com as revistas, veio também o livro Heróis de verdade, que trazia a biografia ilustrada de grandes personalidades mundiais. Como sempre gostei de ler e não tinha muitas opções, li e reli esse livro várias vezes.

Entre as personalidades biografadas, havia o marechal Deodoro da Fonseca. Não sei o porquê, mas esse personagem de longa barba branca, olhos penetrantes, nariz adunco e cara de bravo me cativou. Fiquei tão interessado por sua história de vida, que passei a desenhar sua fisionomia marcante em cadernos de escola e criar histórias imaginárias com o valente líder militar. Isso faz mais de 30 anos e nunca contei antes essa história para ninguém.

Com o passar dos anos, após muita leitura, conhecimento e uma graduação em História, outro personagem ganhou relevância na minha admiração: Dom Pedro II. Quanto mais leio sobre ele, mais aumenta a admiração e, para mim, o nosso velho imperador é o maior brasileiro de todos os tempos. Com isso, Deodoro se transformou no antagonista, no vilão, no responsável por todos os males causados por essa ré-pública de bananas, proclamada por ele.

Há quase três anos, resolvi escrever o romance A mulher que proclamou a República, que estou lançando agora pela Editora Penalux. Nesse romance, o marechal Deodoro é o personagem principal. É ele que eu coloco num divã para contar suas vitórias, alegrias, derrotas, tristezas, conquistas, casos de amor e decepções. Quando comecei a escrever, claro, Deodoro era o Judas que eu queria malhar. Porém, após retomar a leitura de livros sobre sua vida e durante a construção do romance, esse ódio inicial foi sendo aplacado, e o personagem foi ganhando vida própria nas páginas do meu romance. Ao fim desse livro, o personagem que levo para as pessoas é um Deodoro bastante humano. Nem o líder carismático e heroico da minha infância, nem o demônio encarnado das minhas leituras posteriores, mas o ser humano complexo e contraditório, repleto de acertos e erros, certezas e contradições, Manuel Deodoro da Fonseca.

Estou feliz com a aceitação do livro, que já chegou em todas as regiões do país, e realizado também por ter acertado, tantos anos depois, as minhas contas pessoais com o senhor Deodoro da Fonseca.